sábado, 31 de março de 2012

CIVILIZAÇÃO¹


QUANDO A PORTA SE ABRE, você percebe rapidamente que quatro pessoas estão dentro do elevador. Vai ficar bem apertado, mas se os outros se juntarem um pouco, vai dar.

Agora começa um jogo mágico. Como se os participantes tivessem combinado secretamente antes e ensaiado a cena uma centena de vezes, cada um vai para o lugar adequado. O homem à direita, atrás, empurra suas sacolas de supermercado um pouco para o lado, então a mulher à frente dele dá um passo para trás, tomando cuidado para não as esmagar com sua mochila.  Tudo se passou em silêncio, quase sem contato visual e sem nenhum contato físico, embora realmente não haja muito espaço. Ninguém falou: “Moça, você quer vir um pouco mais perto de mim, então os outros têm mais lugar”, nem ninguém teve a idéia de se postar à sua frente e dizer: “Aqui não tem mais lugar”.

(...) Um novo passageiro entra, novamente acontece a mesma acomodação precisa, imperceptível, até que todos estejam bem posicionados.    

Mas o que está acontecendo? O novo passageiro está fedendo a suor! Será que alguém diz: “Irc! Será que não dava para trocar de camisa?”. Ou será que outra pessoa tampa o nariz ostensivamente? Ambas as atitudes seriam mais desagradáveis que o cheiro corporal mais penetrante, e por isso todos fazem de conta que não estão sentindo nada.

Viagens de elevador são eventos nos quais pessoas totalmente estranhas são apertadas num espaço minúsculo. Na verdade, isso deveria ser o bastante para transformar o elevador num cenário muito provável de conflitos, mas ocorre exatamente o oposto. Cada um que entra num elevador pode estar seguro de que esses encontros impessoais com estranhos num ambiente muito restrito se desenrolarão sem incidentes e imperceptivelmente (caso a técnica ajude). Isso faz da viagem de elevador um exemplo básico da civilização ocidental. E com certeza não é por acaso, pois a civilização começou a se desenvolver no começo da Idade Moderna, como Norbert Elias mostrou, a fim de transformar a circulação com estranhos num espaço relativamente pequeno em algo relativamente suportável para todos.

(...)O cotidiano civilizado é formado por inúmeros momentos bem estudados e combinados, mas não percebemos a dramaturgia de todos os dias. Ou será que você percebeu que, andando de elevador, está seguindo um roteiro (sem texto) muito rígido, mas com uma bela coreografia, e que vai passando do papel da pessoa que entra para o da pessoa que está saindo. Isso é civilização: o cotidiano como um teatro rotineiro, no qual não percebermos que é um teatro.

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¹ CHRISTIANE ZSCHIRNT.Livros: tudo o que você não pode deixar de ler.São Paulo: Globo, 2006.

quinta-feira, 29 de março de 2012

Estava para lhe dizer uma coisa¹


(...)
Estava para lhe dizer uma coisa: você é fotógrafo, cara; e a fotografia é a única arte que precisa de um objeto concreto, real, na sua frente. Mais do que o cinema. A essência da fotografia é representar a realidade, você sabe disso.
(...)
- O fato é que se pode duvidar de uma história, de uma pintura, mas ninguém duvida de uma foto. Se ela mostra alguma coisa é que aquela coisa estava ali, era real, pelo menos naquele momento. E que foto você acha que seria mais realista, uma que você faça da Esplanada dos Ministérios, da Praça dos Três Poderes ou de uma sessão no Congresso Nacional, ou outra, retratando a Vila Paulo Antônio?

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JOÃO ALMINO. O livro das emoções. Rio de Janeiro:Record, 2008.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Nunca esqueci uma história¹

(...)
- Nunca esqueci uma história que você me contou quando eu era criança - me disse Carolina.
- Que depois de criar o arco-íris, Deus chegou com seus pincéis e o primeiro que pintou no mundo foram as flores. Delas vem o colorido do mundo, você dizia. Sempre penso naquela história quando vejo suas fotos de flores.


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¹ JOÃO ALMINO.O livro das emoções.Rio de Janeiro: Record, 2008.

segunda-feira, 26 de março de 2012

domingo, 25 de março de 2012

Em uma casa real, tudo é mesmo real? Ou não?

Leitor@,

Em uma casa real, tudo é mesmo real? Ou não? 
Hoje é domingo. Dia de sol e de chuva.
Logo cedo, Biai, mãe zelosa, observa os movimentos rápidos do filho. Ele se prepara para sair.
Ela não se contém:
- Pra onde você tá indo?
- Tô indo pra praia.
- Fazer o quê?
- Tomar banho.
- Num tem água em casa não? 

A casa mais parece o cenário de um grande teatro. Termina uma peça, começa outra.
Após essa participação, Biai prepara seu ateliê de bordado. Ela borda uma linda toalha de mesa. Tão logo começa sua arte, um bem-te-vi pousa em um dos fios da rede elétrica bem próximo a varanda da casa dela.
Ela na cadeira de balanço e o bem-te-vi lá no fio do poste. Também se balançando.
O bem-te-vi , costumeiramente, inicia a conversa.
- Bem-te-vi, bem-te-vi!!
Ela responde:
- Bem que eu disse, bem que eu disse!
O bem-te-vi ecoa bem alto:
- Bem-te-vi, bem-te-vi!
Ela faz um trocadilho mais alto ainda:
- Triste vida, triste vida!
Ele, após ouvir o trocadilho, retruca:
- Bem-te-vi, bem-te-vi!
Ela, dando mais asas à imaginação:
- Ki vida, ki vida! 

Essa peça acontece diariamente, pela manhã, por volta de 8h40. Acontece porque o bem-te-vi volta para cantar e contar a Biai como é o seu viver. Eles conversam. E cantam. Alegremente.
Os habitantes da casa, atores e platéia, embevecidos, ouvem esse contar, esse (en)cantar.

Em uma casa real, tudo é mesmo real? Ou não?  
Hoje é domingo. Dia de sol e de chuva.


RENDENDO-SE À GRATIDÃO¹


O hábito de ser grato, pela sua repetição, equilibra as descargas de adrenalina e de noradrenalina, ao tempo em que o cortisol mantém o controle dessas substâncias químicas neutralizando os excessos que poderiam ocorrer, produzindo em conseqüência alterações glicêmicas, do ritmo cardíaco ... como sucede com as emoções inferiores como a ira, o medo, a ansiedade, a mágoa ...
Mediante reflexões sinceras pode o indivíduo render-se completamente à gratidão, evitando condutas agressivas e atitudes mentais pessimistas.

(...) O apóstolo Paulo, por exemplo, afirmava que se comportava da mesma forma, quer estivesse coroado de alegrias, quer experimentasse o cárcere e a provação ... Na alegria, demonstrava gratidão pelas bençãos, e na dor, ainda agradecia por poder confirmar a grandeza da sua fé e da sua entrega.


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¹ DIVALDO FRANCO. Psicologia da Gratidão. Salvador, BA:Livraria Espírita Alvorada Editora, 2011.

sexta-feira, 16 de março de 2012

6 de junho de 2022, madrugada¹

Tinha o hábito de andar com a máquina a tiracolo para registrar o que passava pela frente, como escritor tomando nota, um historiador desmemoriado que quisesse deixar um testemunho ou um cientista fazendo um inventário do mundo. Fotografar é ver com olho treinado; recortar e guardar o que se vê. Ao disparar a máquina, as fotos ficaram gravadas na mente, como espelhos do que fui. São instantes eternos, empalhados num museu íntimo. 







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JOÃO ALMINO.O livro das emoções.Rio de Janeiro:Record, 2008. 

quarta-feira, 14 de março de 2012

SER PONTE

Ser ponte é possibilitar que O OUTRO chegue onde, sozinho, não consegue chegar. Ser ponte é apontar caminhos, é pegar pela mão dO OUTRO. Ser ponte é uma missão. Sejamos pontes.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Diário - pelas RUAS e (en)CANTOS das CIDADES


Ao olhar esta janela .... o que vem à sua lembrança? Ela lembra a você outra(s) janela(s)? Qual a história que, instantaneamente, surgiu, neste instante, em sua memória? Conte-nos.

quarta-feira, 7 de março de 2012

CADERNOS¹



Na minha adolescência eu escrevia diário. Às vezes usando caderno de escola que não chegava no fim; mais vezes comprando um especial. Especial porque eu sabia que ele ia ser o meu diário, a cara dele era igual aos outros da escola.

Acabava um e começava outro, acabava um e começava outro: escrevi não sei quantos cadernos.

Era uma escrita apressada, de letra virada garrancho, toda esquecida dos exercícios de caligrafia de quando eu era criança. Era um registro compulsório de tudo que me acontecia; emoção, dúvida, tristeza, expectativa, estava tudo lá. E era compulsório, sim: ninguém sabia que eu empilhava aquela escrita toda, nunca tive vontade de mostrar os meus cadernos pra ninguém, e mesmo pensando uma vez que outra, quem sabe um dia eu vou ser escritora? nunca me ocorreu corrigir um período, uma frase, nem tampouco abrir um dicionário pra tirar a dúvida que tantas vezes me batia, se aqui tinha um s antes do c, se ali tinha acento ou não – mas eu tinha que escrever. 
(...)
Tinha dias que eu escrevia horas a fio.
Tinha dias que eu só escrevia uma página.

Mas se não escrevia eu me afligia. E muitas vezes, se eu não escrevia de dia, eu acordava no meio da noite pra escrever.

Um dia (eu ia fazer dezenove anos), do mesmo jeito espontâneo que eu tinha começado a escrever diário, eu deixei de escrever diário. Foi no tempo que eu achei que ia ser médico (um ano depois eu ia desachar). E, limpando gaveta pra minha papelada de vestibular, eu tive um acesso de hoje-eu-começo-vida-nova-o-passado-passou, e rasguei os meus cadernos. Todos.

Sempre achei uma pena.
Sempre sabendo que, se fosse hoje, eu rasgava tudo de novo outra vez.

Foram quase três anos de escrever diário. Não me lembro de ter sentido cansaço ou tédio naquelas horas. Não me lembro de algum dia – um só – ter passado, essa coisa de ter que escrever é meio chato, não é não?


¹  LYGIA BOJUNGA. Livro - um encontro. Rio de Janeiro: Casa Lygia Bojunga, 2007. 

terça-feira, 6 de março de 2012

Diário - pelas RUAS e (en)CANTOS das CIDADES


CONTROLE REMOTO¹

- Mas como vou entender o que esse menino diz sem usar a tecla SAP? – perguntou a mulher, muito espantada. 

- E que negócio é esse de ouvir as vontades do menino? Não é só ele quem tem que ouvir nossas vontades? – perguntou o homem, pasmo.

- O menino não precisa de CONTROLE REMOTO – disse o técnico. Esse tipo de aparelho só serve para adultos que esqueceram como funcionam as crianças, e só em casos graves! Sumam com o CONTROLE! É a minha recomendação.

Não foi uma decisão fácil, mas o casal jogou o CONTROLE REMOTO no lixo.
(...)
E, como em toda família, nem tudo era perfeito. Sempre tinha algum pequeno segredo, que não fazia mal em ficar guardado. O filho, por exemplo, havia pegado escondido o CONTROLE REMOTO antes que o caminhão da limpeza levasse o lixo embora ....  











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¹ TINO FREITAS. Controle Remoto.Ilustrações MARIANA MASSARANI. Rio de Janeiro, RJ: Manati, 2009.

segunda-feira, 5 de março de 2012

COPA DO MUNDO


ASAS DA LOUCURA¹


À noite, lia até bem tarde. O pai, que estudara engenharia em Paris na École Centrale des Arts et Métiers, tinha espalhadas pela casa pilhas de livros em francês, inglês e português. Alberto leu a maioria deles, até mesmo os manuais técnicos. Os livros favoritos eram de ficção científica. Ele gostava da imagem de Júlio Verne de um céu povoado de máquinas voadoras e, aos dez anos, já tinha lido todos os seus romances. Aprendeu nos livros de engenharia do pai que o balão de ar quente fora inventado em 1783, por Joseph e Etienne Montgolfier, fabricantes de papel em Annonay, na França, uma cidade no vale do Ródano, a 64 quilômetros de Lyon.
(....)
EM 1883, Alberto Santos-Dumont, aos dez anos, ainda não vira um balão, mas imitava a invenção dos Montgolfier em miniatura. A partir das ilustrações dos livros, ele fazia pequenos balões de papel e os enchia de ar quente com a chama do fogão.
(...)
Por ter lido Júlio Verne, Alberto estava convencido de que as pessoas já tinham ultrapassado a etapa dos balões de ar quente e haviam voado em aeronaves, também conhecidas como dirigíveis (balões a motor que obedeciam à ação do leme). A família e os amigos tentavam dissuadi-lo dessa idéia. Ele e outras crianças gostavam muito de uma brincadeira. “É um divertimento muito conhecido. As crianças colocam-se em torno de uma mesa e uma delas vai perguntando em voz alta: Pombo voa? ... Galinha voa?... Urubu voa? ... Abelha voa? ... E assim sucessivamente. A cada chamada todos nós devíamos levantar o dedo e responder. Acontecia porém que de quando em quando gritavam: Cachorro voa? ... Raposa voa? ... ou algum disparate semelhante, a fim de nos surpreender. Se algum levantasse o dedo, tinha de pagar uma prenda.

“E meus companheiros não deixavam de piscar o olho e sorrir maliciosamente cada vez que perguntavam: Homem voa? É que no mesmo instante eu erguia o meu dedo bem alto, e respondia: Voa!!! Com entonação de certeza absoluta, e me recusava obstinadamente a pagar prenda.   


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¹ PAUL HOFFMAN. Asas da Loucura: A extraordinária vida de Santos-Dumont. Trad de Marisa Motta. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004

domingo, 4 de março de 2012

O LIVRO DAS EMOÇÕES¹



10 de junho
Não vou seguir a sugestão de Maurício. Não pedirei a ninguém para escrever por mim. Se Homero, cego como eu, pôde compor A Ilíada e A Odisséia, por que eu não seria capaz de escrever minha odisseiazinha particular?  (...)
27 de junho
O livro que pretendo escrever com base no meu velho diário fotográfico poderá ser considerado um álbum de minhas memórias sentimentais e incompletas, de uma época em que eu via, e via demais. Vou chamá-lo O livro das emoções.  A vida não se mede por minutos, nem memórias são escritas com a enumeração de tudo que se passa diante dos ponteiros do relógio. Aliás, uso um relógio sem ponteiros, que, tal como botões do rádio que vão direto às estações com melhor emissão, correm aos fatos que ainda fazem meu coração bater. Parodiando o poeta, penetro cegamente no reino das imagens. 


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   ¹JOÃO ALMINO. O livro das emoções.Rio de Janeiro:Record, 2008.

sábado, 3 de março de 2012

A VOZ de uma Professora

O Governo Brasileiro anuncia o PISO Nacional do Magistério para 2012. Trata-se de uma providência positiva.Chegaremos lá, com muitas outras iguais a esta. Eis um vídeo oportuno e atual; com a palavra, a Professora Amanda Gurgel.

sexta-feira, 2 de março de 2012

A FORÇA DE UMA EXPERIÊNCIA¹



São José do Rio Pardo, 1950. Os ruídos de marretas e bigornas pareciam uma encantada melodia passeando pela intimidade dos meus ouvidos. Eu, um garoto magro, franzino, e inibido, espreitava, admirado, a intensa movimentação de cavalos puro-sangue e ferraduras incandescentes que saíam da forja.
São José foi onde o engenheiro Euclides da Cunha escreveu Os Sertões enquanto construía a ponte de aço sobre o rio Pardo em 1901. Todos os anos, de 9 a 15 de agosto, festejava-se o aniversário do grande escritor, reunindo pessoas de todo o Brasil, em vários tipos de competição que incluíam uma concorrida maratona intelectual. Era a famosa Semana Euclidiana.

(...)
Pedro era bem mais velho que eu e tinha uma experiência de vida admirável. O que ele dizia fazia muito sentido para mim, pois eram coisas que eu tinha visto em livros e de que os professores da escola não falavam. (...) Sentados em folhas secas sob árvores imensas que encobriam totalmente o céu, ele falava dos clássicos da Grécia. Gostava especialmente do Banquete, de Platão, com sua filosofia que sabia de cor e que me embevecia.



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¹ NUNO COBRA. A Semente da Vitória. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004.

quinta-feira, 1 de março de 2012

NÃO PODEMOS EXIGIR DEMAIS DAS IMAGENS¹

 As imagens do morrer e do peregrinar expressam um aspecto essencial do silêncio.



(...) Mas as imagens do morrer e do peregrinar não valem só para os ascetas do deserto. Elas valem também para nós. 




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¹ ANSELM GRUN. As Exigências do Silêncio. Petrópolis,RJ:Vozes, 2008.