quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Martu¹



 Já fui pássaro de fogo
e hoje renasço de cinzas
- as cinzas do meu tempo –
de qualquer modo
pássaro de novo
                  e afeito ao vento.          











¹  ELIZABETH HAZIN. Martu. Rio de Janeiro: Vieira & Lent, 2006.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Diário - pelas RUAS e (en)CANTOS das CIDADES

Raquel de Queiroz


ENTRE livros e leitores, Raquel recebe seus admiradores sob a sombra de belas árvores.
Onde? Na Praça dos Leões, em Fortaleza-CE-Brasil.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Censo e Internet


CERVANTES e SHAKESPEARE¹




(...)
Precisamos ter em mente ao lermos Dom Quixote que não cabe qualquer atitude condescendente em relação ao Cavaleiro e a Sancho, pois, juntos, sabem mais do que nós, assim como jamais conseguimos acompanhar a velocidade espantosa do raciocínio de Hamlet. Será que sabemos, exatamente, quem somos? Quanto maior a urgência com que buscamos o nosso eu autêntico, mais ele se retrai. O Cavaleiro e Sancho, na conclusão da grande obra, sabem exatamente quem são, nem tanto devido às aventuras, mas às conversas maravilhosas por eles mantidas, sejam estas querelas ou troca de idéias.
 A poesia, especialmente a de Shakespeare, ensina-nos a falar com nós próprios, mas não com terceiros. As grandes figuras shakespearianas são solipsistas esplêndidos: Shylock, Falstff, Hamlet, Iago, Lear, Cleópatra, sendo Rosalinda a brilhante exceção. Dom Quixote e Sancho sempre escutam o que um tem a dizer ao outro, e se desenvolvem em função dessa receptividade. Nenhum dos dois ouve-se a si mesmo, conforme observamos em Shakespeare. Cervantes ou Shakespeare: eis os mestres rivais do como e por que nos desenvolvemos. A amizade, em Shakespeare, na melhor das hipóteses, é um tanto quanto irônica, sendo mais frequentemente, traiçoeira. A amizade entre Sancho Pança e seu Cavaleiro supera qualquer outra representada pela literatura.
(...)



 ¹ HAROLD BLOOM. Onde encontrar a sabedoria?. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

A COMPLICADA ARTE DE VER¹




Ela entrou, deitou-se no divã e disse: "Acho que estou ficando louca". Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura. "Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões - é uma alegria! Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica. De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões... Agora, tudo o que vejo me causa espanto."

Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as "Odes Elementales", de Pablo Neruda. Procurei a "Ode à Cebola" e lhe disse: "Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: 'Rosa de água com escamas de cristal'. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver".

Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física.

William Blake sabia disso e afirmou: "A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê". Sei disso por experiência própria. 
Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo.

Adélia Prado disse: "Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra". Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que ele viu virou poema.

Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem. "Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios", escreveu Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Nietzsche sabia disso e afirmou que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver. O zen-budismo concorda, e toda a sua espiritualidade é uma busca da experiência chamada "satori", a abertura do "terceiro olho". Não sei se Cummings se inspirava no zen-budismo, mas o fato é que escreveu: "Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram e agora os olhos dos meus olhos se abriram".

Há um poema no Novo Testamento que relata a caminhada de dois discípulos na companhia de Jesus ressuscitado. Mas eles não o reconheciam. Reconheceram-no subitamente: ao partir do pão, "seus olhos se abriram". Vinícius de Moraes adota o mesmo mote em "Operário em Construção": "De forma que, certo dia, à mesa ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção, ao constatar assombrado que tudo naquela mesa _garrafa, prato, facão_ era ele quem fazia. Ele, um humilde operário, um operário em construção".

A diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados. Se os olhos estão na caixa de ferramentas, eles são apenas ferramentas que usamos por sua função prática. Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas- e ajustamos a nossa ação. O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário. Mas é muito pobre. Os olhos não gozam... Mas, quando os olhos estão na caixa dos brinquedos, eles se transformam em órgãos de prazer: brincam com o que vêem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor com o mundo.

Os olhos que moram na caixa de ferramentas são os olhos dos adultos. Os olhos que moram na caixa dos brinquedos, das crianças. Para ter olhos brincalhões, é preciso ter as crianças por nossas mestras. Alberto Caeiro disse haver aprendido a arte de ver com um menininho, Jesus Cristo fugido do céu, tornado outra vez criança, eternamente: "A mim, ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas quando a gente as têm na mão e olha devagar para elas".

Por isso -porque eu acho que a primeira função da educação é ensinar a ver- eu gostaria de sugerir que se criasse um novo tipo de professor, um professor que nada teria a ensinar, mas que se dedicaria a apontar os assombros que crescem nos desvãos da banalidade cotidiana. Como o Jesus menino do poema de Caeiro. Sua missão seria partejar "olhos vagabundos"...




_________________________
¹ Rubem Alves, Educador, Escritor. FONTE: Folha de São Paulo, de 26.10.2004.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Diário - pelas RUAS e (en)CANTOS das CIDADES

Pé ante pé, chego bem perto da CENA. Sinto-me invisível. Feliz o bastante para, invisível, sentir a mágica do instante. Em silêncio, sem notar a presença de ninguém, pintam. Por minutos, observo. A pintura. O sorriso. É domingo de carnaval.